domingo, 24 de agosto de 2008

Da pedra fundamental

Não há nada, nem crença, nem remédio, nem meditação que mude a estrutura fundamental de uma mente. Embora relute em pensar tudo isso em termos de fisiologia e reações químicas, não há como escapar disso. Mas se inventamos uns deuses, se acreditamos piamente estarmos ligados individualmente aos astros, por que iríamos ser tão minimalistas? Não perco tempo sendo apregoador dessa verdade absurda, embora não escape pessoalmente dela, como um pequenino meteoro cujas forças impulsivas se tornam um lapso de nada perto da absurda gravidade de um buraco negro. Então, sendo mais claro, eu muitas vezes gostaria de acreditar no sublime além de mim, do criado e alimentado, que matasse meus cães rabugentos internos; mas a estrutura mental que se desenvolveu aqui dentro, numa argamassa de herança genética e cultural, e construção/deturpação cultural, simplesmente tanto bloqueia uma suposta luz, quanto me acerta em cheio continuamente com toda uma gama de sentimentos e pensamentos contraditórios... bondade e crueldade, sapiência e ignorância, ternura e brutalidade, tudo convivendo da mais difícil maneira possível, à beira da ruptura. E vou ficar, assim como tantos outros, na eterna dúvida se isso também sou eu ou minha criatura. O único alento que poderia ter, se brilhante fosse eu, está na frase recém lida: os loucos abrem os caminhos que os normais irão depois percorrer (acho que mudei algo, mas não a essência). Se identificar, um quase sempre pulha, com brilhantismo e ineditismo, protagonismo de algo realmente gratificante? O romantismo, nesse nível, deve ter morrido esmagado em algum incidente que não lembro. (publicado originalmente no blog getulius eterius, em 09 de julho de 2007)

Após ver flores do cerrado num buquê virtual

Mesmo que eu veja 1.000 flores hoje, amanhã será outro dia, e sei que nada será igual: as flores em si, meu olhar, meu olfato, o mundo em volta. Tudo isso parece até mais importante para uma pessoa como eu, agnóstica. Tudo parece ter uma beleza, uma urgência de ser sentido e tocado na primeira oportunidade. Eu sorvo tudo que pra mim é belo assim que esteja disponível, e não canso nunca. É quase uma vida ávida, embora frugal, como é a de um colibri. Alguém pode olhar pra vida de uma dessas aves e pensar: que sentido tem isso, ter que tomar tanto néctar pra se manter tão pequeno e vivo, tudo ter que ser consumido tão rápido, e logo ter que voltar e estar no néctar de novo; e tem que diminuir muito o ritmo durante o descanso, pra não morrer durante o sono... Mas ele não tem como mudar isso, e vive intensamente.
Mas, engraçado, em contraponto, as pessoas às vezes deixam escapar que também não vêem sentido na vida da preguiça, tão lenta, que faz em horas o que os outros fazem em minutos... Tudo isso é preconceito e intelorância, marcas tristes que carregamos há muito tempo. Beija-flor e preguiça, antagonismos que deviam nos ensinar que cada coisa tem seu ritmo, e mesmo assim tudo é normal, natural, e belo. (PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG GETULIUS ETERIUS, EM 12/08/2007