terça-feira, 30 de dezembro de 2008

TOQUINHO E A COMPREENSÃO DA BELEZA E DA EFEMERIDADE DA VIDA E DAS COISAS BOAS

Desde adolescente ouço a música de Toquinho. Como na época em que comecei a me interessar por música de uma maneira mais autêntica e profunda, entre os 14 e 16 anos, foi a fase mais profícua desse artista em sua carreira solo pós Vinícius, foram os trabalhos dessa época que me chamaram atenção. Muitas músicas eu curtia por conseguir o disco, mesmo se elas não fizessem sucesso nas rádios. E sucessos foram muitos, principalmente a música “aquarela”. Lembro que nas rádios também foram muito executadas “o caderno”, “vôos da vida”, “ao que vai chegar”, “lindo e triste Brasil”, “cartão postal” e “à sombra de um jatobá”. Nessa época, já fã incondicional, e quase visceral, de Franz Kafka, deixando os primeiros namoros, mais ingênuos e experimentais, e “curtindo” a minha primeira grande fossa causada por uma mulher, não tinha como não perceber referências meio tristes nas letras do músico. Talvez a ainda recente morte de Vinícius de Moraes, com quem Toquinho tinha uma relação de amizade, e parceria, muito forte, tenha sido a causa de todas essas referências, pois até em letras aparentemente unicamente alegres, como “aquarela”, elas estão presentes.
As referências que menciono, embora não sejam muitas, são importantes. Pelo menos do ponto de vista pessoal, pois formaram uma “mini-enciclopédia” do carpe diem e do memento mori na minha cabeça, junto com outras músicas de outros artistas. Há letras em que a desilusão e a tristeza é o tema principal, palpável. É o caso de “a grande viagem”, em parceria com Paulo César Pinheiro:

O mar tem muito mistério,
A vida muito segredo.
O mar às vezes assusta
E a vida dá medo.

A gente é só marinheiro,
A vida é como o oceano.
O mar tem barco-fantasma,
A vida desengano.

O mar é pura aventura,
A vida é a grande viagem.
Por isso o mar tem quimera
E a vida miragem.

O mar é estrada comprida,
A vida é um barco no mar.
O mar vai dar em que vida?
E a vida onde é que vai dar?

Nesse caso, o próprio tema é, deliberadamente, triste ou melancólico. Mas o que falo é das coisas quase subliminares, incutidas, das deixas que ficaram em letras que falam principalmente das coisas boas da vida, do amor, dos amigos, e nas quais o poeta Toquinho não conseguiu não por uns versos que denotassem que ele sabe a medida certa, a exata distância, entre a dor e a delícia da vida. Nas várias vezes em que refleti sobre isso, sempre sem concatenar as idéias e sem pensar em escrever, fiz divagações muito mais prolixas sobre o assunto. No entanto, agora que decidi escrever, vou tentar ser mais objetivo.
Bem, vamos aos trechos de músicas onde captei essas idéias/mensagens, e as conclusões ficam, óbvio, a cargo de cada um que ler.

1. Em “Aquarela”
"...
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá
..."

Após essa última quadra, versos do início são cantados, entremeados pela repetição da frase “que descolorirá”, numa clara referência ao fim de tudo, na ótica do compositor. Esse mesmo raciocínio Toquinho iria retomar em “Coisas do coração”, uma letra melancólica, que trata da perda do amor e da ilusão:

"Coisas do coração
Passam como as nuvens lá do céu,
Fazem da lembrança um carrossel
Que o tempo que aí vem vindo
Pouco a pouco irá cobrindo
Tudo, tudo com seu imenso véu"

2. Cartão Postal

A isso eu junto um amor profundo
E um perdão que não negue.
Um batizado e um cheque sem fundo que passei
Junto, no ato, o azul de meu quarto
E essa vida que é um enfarto no meu coração
Hoje se parte
Partir é uma arte que faz tudo ser recordação

Essa música é uma sambinha com batida e arranjo mais pop, como era a tendência de Toquinho na época, onde os trabalhos passaram a ser mais intimistas do que na fase com Vinícius. Infelizmente, nunca foi lançada em CD, nem foi gravada ao vivo. O disco é "Sonho Dourado", que há muito tempo tento encontrar.

3. À Sombra de um Jatobá

Poucas coisas valem a pena
o importante é ter prazer
Longe de mim a inveja e a maldade escondidas na vida
Hoje estamos nós em cena e não há tempo a perder
pois tudo acaba mesmo sempre em despedida

Esses dois versos fecham a letra da música, que até aí não tem nenhuma referência à finitude, e por isso mesmo à necessidade de se dar valor e curtir cada minuto como se fosse o último tudo aquilo que é citado na letra, que começa assim:

Raios de sol na varanda
verde cobrindo o jardim
poder sentir a vida espreguiçar
com o cheiro da madrugada
dama-da-noite, jasmim
olhar no céu estrelas pra contar

Ter meus amigos comigo
quem amo me amando, sim
longe do a mor de quem nos finge amar
Ver na manhã de um domingo,
meu filho sorrir pra mim
depois dormir à sombra de um jatobá

SENDO ASSIM: CARPE DIEM... MEMENTO MORI!

domingo, 24 de agosto de 2008

Da pedra fundamental

Não há nada, nem crença, nem remédio, nem meditação que mude a estrutura fundamental de uma mente. Embora relute em pensar tudo isso em termos de fisiologia e reações químicas, não há como escapar disso. Mas se inventamos uns deuses, se acreditamos piamente estarmos ligados individualmente aos astros, por que iríamos ser tão minimalistas? Não perco tempo sendo apregoador dessa verdade absurda, embora não escape pessoalmente dela, como um pequenino meteoro cujas forças impulsivas se tornam um lapso de nada perto da absurda gravidade de um buraco negro. Então, sendo mais claro, eu muitas vezes gostaria de acreditar no sublime além de mim, do criado e alimentado, que matasse meus cães rabugentos internos; mas a estrutura mental que se desenvolveu aqui dentro, numa argamassa de herança genética e cultural, e construção/deturpação cultural, simplesmente tanto bloqueia uma suposta luz, quanto me acerta em cheio continuamente com toda uma gama de sentimentos e pensamentos contraditórios... bondade e crueldade, sapiência e ignorância, ternura e brutalidade, tudo convivendo da mais difícil maneira possível, à beira da ruptura. E vou ficar, assim como tantos outros, na eterna dúvida se isso também sou eu ou minha criatura. O único alento que poderia ter, se brilhante fosse eu, está na frase recém lida: os loucos abrem os caminhos que os normais irão depois percorrer (acho que mudei algo, mas não a essência). Se identificar, um quase sempre pulha, com brilhantismo e ineditismo, protagonismo de algo realmente gratificante? O romantismo, nesse nível, deve ter morrido esmagado em algum incidente que não lembro. (publicado originalmente no blog getulius eterius, em 09 de julho de 2007)

Após ver flores do cerrado num buquê virtual

Mesmo que eu veja 1.000 flores hoje, amanhã será outro dia, e sei que nada será igual: as flores em si, meu olhar, meu olfato, o mundo em volta. Tudo isso parece até mais importante para uma pessoa como eu, agnóstica. Tudo parece ter uma beleza, uma urgência de ser sentido e tocado na primeira oportunidade. Eu sorvo tudo que pra mim é belo assim que esteja disponível, e não canso nunca. É quase uma vida ávida, embora frugal, como é a de um colibri. Alguém pode olhar pra vida de uma dessas aves e pensar: que sentido tem isso, ter que tomar tanto néctar pra se manter tão pequeno e vivo, tudo ter que ser consumido tão rápido, e logo ter que voltar e estar no néctar de novo; e tem que diminuir muito o ritmo durante o descanso, pra não morrer durante o sono... Mas ele não tem como mudar isso, e vive intensamente.
Mas, engraçado, em contraponto, as pessoas às vezes deixam escapar que também não vêem sentido na vida da preguiça, tão lenta, que faz em horas o que os outros fazem em minutos... Tudo isso é preconceito e intelorância, marcas tristes que carregamos há muito tempo. Beija-flor e preguiça, antagonismos que deviam nos ensinar que cada coisa tem seu ritmo, e mesmo assim tudo é normal, natural, e belo. (PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG GETULIUS ETERIUS, EM 12/08/2007

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Dor e prazer... ou carpe diem et memento mori

Eu tenho escrito pouco, por causa das dores nos dedos (LER). A limitação por conta do acidente só piora as coisas. Mesmo asssim, digito só com 2 dedos da esquerda sem olhar pro teclado, como fazia com os 4 dedos antes do acidente. Só comento isso porque realmente foi a oportunidade de não achar piegas aquelas afirmações dos jornais televisivos sobre superação. Mas isso não vem ao caso agora. O que importa nesta postagem é que achei um email que havia mandado pra uma amiga, e gostei do que li, por isso decidi publicar (avisando pra ela, claro):

"Eu me achei quando consegui observar nos bichos e nas plantas o que há de mais importante. Foi minha salvação, antes mesmo de morrer. Hoje, sou totalmente descrente em religiões, embora não me considere ateu. Então, tudo que tenho é o que toco, o que cuido, o que cheiro, o que vejo, o que sinto com o coração e a mente. Meu mundo sempre está à beira de um abismo, tudo embalado por boa música. Às vezes sinto inveja de quem tem fé em algo além. Mas já sei que comigo não é nem vai ser assim. Não preciso confirmar quem está certo: o umbandista, o evangélico, o judeu, o católico ou o muçulmano. Não me interessa. Tudo é uma guerra. Não me interesso por guerra. Só se precisar participar ou travar uma para salvar plantas, bichos, lugares e paisagens, ou o conjunto disso tudo pra minimizar o estrago da praga que nos tornamos como espécie, num sentido biológico.
Num sentido histórico e cultural, nós somos o bem e o mal, o mel e o fel. Então, só podemos crescer e saber escolher. Por isso, adoro Zé Ramalho e detesto forró de plástico. Bem, isso é uma comparação besta. Zé Ramalho faz música. As bandas fuleiras de forro de plástico fazem comércio com som, na maioria das vezes.
Nesse abismo que falei, às vezes me sinto pendurado, quase deixando escapar o último dedo. Às vezes, as amizades, a música, minha amada, os bichos, as plantas, a chuva forte, os rios, as montanhas da minha terra, tudo isso me dá asas. Aí eu solto os dedos e dou um vôo rasante, subo e depois pouso suave... e a vida continua. Não troco nada real por simulação (por isso dedico horas ao cinema e nenhum minuto a jogos eletrônicos). Vida é prazer intenso. É dor junto. É corte e cicatrização. É caldo de manga descendo a goela. É bico de seio eriçado de tesão.
Obrigado por ativar meus dedos. Só a dor neles me fez parar de
escrever agora."