terça-feira, 4 de setembro de 2007

Jurema

Jurema, símbolo feminino

No calor da caatinga, sol à pino, meus pés se arrastam por esse solo seco com sua fina nuvem de pó... o tinir do facão quebrando os galhos... o perfume das plantas da caatinga...
Em todos esses cheiros, se sobresai o da jurema, pra mim um perfume de infância, cheiro parecido com o de outras parentes. Ela está por toda a parte, é resistente e toma conta do lugar. Às vezes, achando que posso dobrá-la, golpeio, e um ramo repleto de espinhos pequenos açoita as mãos urbanas desse seu amante.
Os cheiros, a luz, as montanhas ao longe, o canto dos pássaros, tudo exercendo um domínio que só deixa fluir esses devaneios e a sensação do corpo vivo, da nítida percepção de que o animal aflora e o racional titubeia.
Me lembro da palavra, do nome Jurema, que pra mim e talvez pra muitos tem uma referência cruzada e engraçada: Jurema é o nome da mulher, da amada, de um personagem único na cultura midiática brasileira, que é o Didi Mocó de Renato Aragão. Antiglobalismos à parte, entendo que esse personagem, principalmente nos primeiros anos, é uma espécie de patrimônio cultural nosso. Mas a jurema planta é chamada pela ciência com o singelo prenome de mimosa. Tal qual ela, as Juremas mulheres estão espalhadas por esse sertão causticante, mimosas quando sabem do poder do afago dado e recebido, fortes quase todo o tempo... às vezes com nomes de Maria, de Joana, mas a maior parte delas compartilhando com essa planta valente traços que só elas têm: resiliência e resignação, resistência e perseverança, o poder de vencer o estio, deixando em seus veios uma nesga de vida em forma de seiva; sabedoras muitas vezes de seu poder, dominam os homens que julgam possuí-las, deixam que eles achem que o mel que lhes dão é por eles, quando é por elas; deixam que eles pensem que as novas juremas que delas brotam, junto com os joões, zés e pedros, sejam por eles, quando são por elas, quando são sua perpetuação nesse solo como o broto da jurema, que espera tanto tempo por umas gotas que lhe caiam no exato ponto, que as faça brotar e continuar a serem as senhoras do lugar.
(sentido e mentalmente escrito às margens do São Francisco, no sertão da Bahia, em agosto de 2007)

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